Felicidade é um Sentimento

Luís Fernandes – CRP: 80.062

Quero ser feliz.

Esta afirmação legítima tem estado presente na voz das pessoas já há muito tempo. Na clínica, é possível se deparar com ela quase todos os dias e é particularmente interessante notar que pessoas com histórias e interesses completamente distintos, estejam unidas por um sentimento comum: a frustração com a falta de felicidade em suas vidas.

Existem duas condições básicas quando observamos com um pouco mais de atenção esta queixa.

A primeira e óbvia é que estão infelizes. Seja por conta da situação financeira, seja por exercer uma profissão onde não se realizam, ou ainda por estarem insatisfeitos com seus relacionamentos afetivos, ou por não terem relacionamentos afetivos, ou por… a lista é longa. Mas pode ser resumida: algo me falta para ser feliz.

A segunda é que acreditam, quase sem duvidar, que serão felizes em algum momento no futuro. Lá, o que as deixam infelizes estará resolvido. Desta forma o pensamento é: “se estou infeliz porque estou sozinho, logo serei feliz quando não estiver sozinho”.

No entanto, passado o primeiro contato com a conquista deste futuro, deste “quando” agora presente, trocam-se as queixas por novas queixas de insatisfação e infelicidade. Afinal, talvez este alguém que foi a felicidade para minha solidão pudesse me dar mais atenção, ou ser mais romântico, ou mais magro…

E lá se vão o desejo e o tédio em uma corrida de revezamento sem fim. Schopenhauer já apontava para a questão há mais ou menos duzentos anos atrás.

A sensação é de que alguma “coisa” sempre parece estar fora do lugar.

De fato está. E continuará a estar fora de qualquer lugar, seja ele o passado do qual lembro com saudade de um acontecimento onde me reconheço feliz; seja o futuro, onde vislumbro a possibilidade de reeditar esta felicidade, já que agora ela muito injustamente insiste em fugir de mim.

Essa “coisa” fora de lugar é a crença que carregamos acerca de tudo que nos traduz para o mundo e, na via oposta, de tudo do mundo que é expresso para nós. É a nossa crença cega. Nossa certeza absoluta. Nossa verdade.

Sem um exercício saudável de critica, invariavelmente somos reféns de nossas crenças. Crescemos acreditando sem questionar que felicidade é um estado do ser que conseguiu de alguma forma reunir todas as condições para que ela pusesse acontecer. Crescemos acreditando que felicidade é um processo que se constrói e, findo o qual, recebemos nosso tão esperado prêmio.

Com o tempo ficamos tão preocupados em perseguir esta felicidade que nos tornamos prisioneiros de uma esperança, de uma fantasia que seremos capazes de construir apenas por nossos esforços uma condição para esta felicidade durar para sempre. E para sempre aqui é literal, pois esta é a expectativa que alimentamos, esta é a esperança, nem sempre velada, que carregamos dia após dia.

Uma conta de desejo em desejo e frustração em frustração que nunca fecha.

Felicidade é um sentimento.

Sentir é perceber ou reagir a algo que nos toca de alguma forma ou maneira. Deste ponto, felicidade é o que experimento quando reajo a algo que provoca em mim contentamento e alegria.

Gosto, por exemplo, de experimentar a felicidade que sinto quando encontro uma amiga querida. Gosto dela sempre procurar o restaurante mais confortável quando saímos para almoçar, mas gosto particularmente de saber que a felicidade que sinto é reação provocada pela presença dela e não do restaurante.

Em especial, gosto do entendimento que a experiência de felicidade em tais ocasiões é fugaz. E, deste ponto, trato de apreciar esses momentos sem o compromisso de aprisionar tal estado de contentamento. O próximo encontro será quando o próximo encontro for. No momento do encontro, o presente.

Felicidade é um sentimento. Uma afirmação simples, mas aceitar esta proposição requer uma pequena revolução pessoal. Exige deixar de esperar (ou imaginar-se capaz de alcançá-la por esforço ou mérito) a “verdadeira felicidade” e passar a reconhecê-la nos momentos cotidianos onde ela se manifesta de forma espontânea e transitória. Exige, depois de reconhecê-la, aprender a desfrutá-la no tempo presente.

Por fim exige um pouco de coragem para questionar as próprias crenças e verdades e questionando, saber se são mesmo próprias ou se apenas ecos de algum lugar confortável onde passamos os últimos anos nos escondendo.

Uma mudança admirável. Talvez para poucos.